domingo, 21 de novembro de 2010

Homofobia e a violência da intolerância - Por Navi Pillay

Seth Walsh tinha 13 anos quando foi até o jardim da casa onde morava com sua família, na Califórnia, e se enforcou. Seth é um dos seis adolescentes que sabemos que se suicidaram nos EUA, só em setembro, devido ao que sofreram nas mãos de perseguidores homofóbicos.

Nas últimas semanas, vimos acontecer uma série de ataques contra gays, lésbicas, bissexuais ou transexuais no mundo. Em Belgrado, no dia 10 de outubro, um grupo de manifestantes atirou coquetéis molotov e granadas paralisantes contra uma parada do orgulho gay, ferindo 150 pessoas.

Em Nova York, em 3 de outubro, três jovens homossexuais foram sequestrados, levados para um apartamento desabitado e torturados.

Na África do Sul, realizou-se em Soweto uma manifestação para chamar a atenção para as violações contra as lésbicas nas "townships", atos que os seus autores tentam justificar como uma tentativa de "corrigir" a sexualidade das vítimas.
A homofobia, como o racismo e a xenofobia, existe em diversos graus, em todas as sociedades. Todos os dias, em todos os países, indivíduos são perseguidos, violentamente atacados ou mesmo mortos devido à sua orientação sexual.

Quer seja explícita, quer não, a violência homofóbica causa um enorme sofrimento, que é frequentemente dissimulado sob um véu de silêncio e vivido na solidão.
Chegou o momento de fazermos ouvir nossa voz. Embora a responsabilidade pelos crimes motivados pelo ódio recaia sobre os que os cometem, todos temos a obrigação de combater a intolerância e o preconceito e de exigir que os agressores respondam pelos seus atos.

A prioridade inicial é descriminalizar a homossexualidade. Em mais de 70 países as pessoas podem sofrer sanções penais devido à sua orientação sexual. Essas leis expõem os indivíduos à detenção, à prisão, até a tortura ou mesmo à execução e perpetuam o estigma, além de contribuir para um clima de intolerância e de violência.
Ainda que importante, a descriminalização é apenas o primeiro passo. A experiência mostra que são necessários maiores esforços para combater a discriminação e a homofobia.

Infelizmente, acontece com demasiada frequência que aqueles que deveriam usar de moderação ou exercer a sua influência para promover a tolerância fazem exatamente o contrário, reforçando os preconceitos.
Em Uganda, por exemplo, onde a violência contra as pessoas com base em sua orientação sexual é comum, um jornal, no dia 2/10, publicou uma matéria na primeira página identificando cem ugandenses como gays ou lésbicas, colocando ao lado de suas fotos a frase: "Enforquem-nos".
Temos que denunciar esse tipo de jornalismo como aquilo que é: incitamento ao ódio e à violência.

No país, os ativistas de direitos humanos que defendem os direitos de gays, lésbicas, bissexuais ou transexuais correm o risco de serem perseguidos ou detidos.
No mês passado, em Genebra, falei sobre a descriminalização da homossexualidade em um painel promovido por um grupo de 14 países.
No evento, o arcebispo emérito Desmond Tutu manifestou seu apoio, falando apaixonadamente sobre as lições do apartheid e sobre o desafio de assegurar a igualdade de direitos para todos: "Sempre que um grupo de seres humanos é tratado como inferior por outro, o ódio e a intolerância triunfam".
Não deveriam ser necessárias mais centenas de mortes e espancamentos para nos convencer disso.

Compete a todos nós exigir a igualdade para nossos semelhantes, independentemente de orientação sexual e de identidade de gênero.

NAVI PILLAY é alta-comissária das Nações Unidas para os direitos humanos.

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quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Amor em tempos de cólera

Refletir sobre os laços amorosos na contemporaneidade é algo pra lá de complexo. Sabemos o quanto às relações sociais vêm sofrendo em termos de mudança até mesmo de paradigmas. As inovações trazidas para os laços entre o masculino e feminino marcam, de certa maneira, o sentimento de solidão do qual muitos sujeitos se queixam.

Entendemos que os vínculos afetivos se constituem na "liga" que permeia todo fazer humano. Esses laços são, como diria o próprio Freud, nosso paraíso e ao mesmo tempo fonte do mais cruel dos sofrimentos. Chega a afirmar que: "O sofrimento oriundo dessa fonte é talvez o mais duro para nós do que qualquer outro"(Mal Estar na Cultura). A dor da perda do objeto de amor, daquele que em um entrelace entre realidade e projeção se torna o depositário do que J. -D Nasio irá nomear como o organizador das pulsões. "De fato, a ruptura de um laço amoroso provoca um estado de choque semelhante àquele desencadeado por uma violenta agressão física: a homeostase do sistema psíquico é rompida, e o princípio de prazer abolido".( J. -D Nasio – "A Dor de Amar)

Frente a uma modernidade (ou pós-modernidade) onde a dor ganhou contornos de pecado, o amor tanto é a esperança como uma grande ameaça, algo que pode jogar o sujeito no mais temido pela organização social – o sofrimento. Permeiam então, e atravessam as relações, algo que apontará para o novo, como um descompromisso e uma relação sempre na superficialidade dos afetos ou remeterá ainda, à fuga pela aceitação de velhos paradigmas, e na manutenção de relações onde o vínculo afetivo se rompe e restam compromissos estéreis, ligados a uma velha ordem social em franco processo de mutação. Ante uma ou outra possibilidade, restará a esse sujeito a vivência de uma grande angústia e um esvaziamento afetivo e pulsional em relação a sua realidade e mundo externo. A dor, essa grande ameaça que acaba por montar um muro de indiferença que marcam as relações contemporâneas aponta como primeira premissa a ser evitada.

" 'Nunca estamos tão mal protegidos contra o sofrimento como quando amamos, nunca estamos tão irremediavelmente infelizes como quando perdemos a pessoa amada ou seu amor'(Freud). Acho essas frases notáveis porque elas dizem claramente o paradoxo incontornável do amor: mesmo sendo uma condição constitutiva da natureza humana, o amor é sempre a premissa insuperável dos nossos sofrimentos. Quanto mais se ama, mais se sofre"(Nasio)

Constroem-se mil hipóteses para a solidão do homem moderno que, contraditoriamente a isso, constrói em tecnologia aparatos que falam todo tempo em relações em rede, conectividade, quebra do paradigma do individualismo para alguns pesquisadores. Fica parecendo um algo incompreensível e inapreensível. Esse homem é indiferente ou sofre? Está em relação mais do que nunca ou se isola cada vez mais? Avança no sentido de sofrer menos exigências morais da cultura ou se enclausura cada vez mais nelas? Questões e mais questões são levantadas quando pensamos nesse sujeito e suas relações de vínculo. A psicanálise do ser social ou aquela que dirige seu foco para as relações objetais, mais do que nunca é chamada a "falar", a expor o latente em uma representação aceitável para os níveis de recalque operados pela cultura.

Se a tecnologia avança cada mais em seu poder de destrutividade, avançará também em suas possibilidades de união fraterna? Perguntas irrespondíveis, pelo menos por hora. Podemos supor que o embrião dessa união fraterna nasce ali do vínculo que une dois parceiros em busca desse amor, apoiados em suas matrizes que os remeterão ao seu primeiro objeto de amor, igual para ambos, suas mães ou quem exerceu essa função. Dizem que os novos tempos trazem atrelados modelos de união perversa, isso dito naquilo que ela tem de mais cruel, a perversidade como traço. Será mesmo que isso é o que se dá? Ou poderíamos pensar em toda uma proteção perversa em relação a dor que as relações fast-food podem provocar em nossa instável organização pulsional? Fusão e desfusão, Eros e Thanatus, na balança que movimenta o ato da vida. Por outro lado essa instabilidade aponta e remete para a possibilidade de relações criadas e mantidas apenas por fortes laços afetivos, onde normas sociais não serão mais a grande mortalha do amor. Esperança, tema que a psicanálise em alguns de seus setores tem voltado o seu olhar.

Talvez possamos pensar nos discursos erguidos contra as novas formas de amar como uma resistência à mudança que se opera irremediavelmente em nossos contornos sociais. Ergue-se então toda uma falácia religiosa em torno do tema, alguns setores atacam as novas constituições familiares em um claro movimento de retrocesso e resistência.

Mais uma vez o velho Freud nos ajuda a refletir em sua obra "O Futuro de Uma Ilusão":

"É duvidoso que os homens tenham sido em geral mais felizes na época em que as doutrinas religiosas dispunham de uma influência irrestrita; mais morais certamente não foram".

Isso talvez esteja atravessando e alimentando todo medo que hoje se ergue em torno desse amor de parceria, desse encontro amoroso entre dois seres. O luto que a sociedade insiste em ver como algo a ser evitado, algo que queima tanto a visão quanto queima olhar para nossa condição incontornável de sermos seres com uma finitude determinada desde o nascimento.

"O luto não é nada mais que uma lentíssima redistribuição da energia psíquica"(Nasio). Só poderemos nos entregar ao amor se pudermos lidar com a existência da perda, não como algo onde morremos, mas o próprio caminho que permeia a vida. O que existe em cada passo que damos.

Há um trecho interessante nessa obra de J.-D.Nasio citada, onde ele expõe a fala de um analisando frente a perda de sua mãe, talvez ela exemplifique muito bem o que abordamos aqui, diz:

"Uma parte dela está desesperadamente viva em mim, e uma parte de mim está sempre morta com ela".

A possibilidade dessa cronificação da dor afasta qualquer possibilidade de investimento amoroso construtivo e prazeroso. O chão do amor e dos vínculos nos remete à própria construção freudiana, a toda a complexidade fusional, onde união e desintegração caminham sempre fusionados. Resiste o conceito de amor que quer banir a possibilidade de perda, a sociedade cultua frases como aquela terrível da obra que atravessou gerações "O Pequeno Príncipe", onde se lê: "Tu te tornas eternamente responsável por tudo aquilo que cativas". Que terrível presságio!

Resta então a solidão da modernidade, o afastamento dos vínculos enquanto o caminho do amor e da construção fraterna. Seres solitários ou acompanhados padecem da capa da indiferença e do cinismo afetivo.

Volto a Freud em "O Futuro de Uma Ilusão", para lançar uma luz de esperança para a modernidade das relações, sem o sentimentalismo deliróide do "amai ao próximo", seja ele quem for; nessa passagem linda onde nos faz refletir:

"Meu amor, para mim, é algo valioso, que eu não devo jogar fora sem reflexão. A máxima* me impõe deveres para cujo cumprimento devo estar preparado e disposto a efetuar sacrifícios. Se amo uma pessoa, ela tem de merecer meu amor de alguma maneira. (Não estou levando em consideração o uso que dela posso fazer, nem sua possível significação para mim como objeto sexual...). Ela merecerá meu amor se for de tal modo semelhante a mim, em aspectos importantes, que eu me possa amar nela; merece-lo-á também, se for de tal modo mais perfeita do que eu, que nela possa amar meu ideal de meu próprio eu(self)".

*diz respeito à máxima: "Amarás a teu próximo como a ti mesmo"

Que o amor de Eros seja valioso em sua capacidade de unir pelo laços afetivos de investimento, longo caminho que percorremos em busca da tal felicidade, seja ela aquela que fala de nossos egos individualizados, seja ela aquela que compõe o vasto tecido das relações sociais e da civilização.

Entre a solidão, o desamparo e os vínculos, que possamos construir relações amorosas e de resgate do conceito de Ideal do Ego, onde encontros e afinidades permeiem o que não é sublimável, naquilo que o encontro amoroso tem de sexual propriamente dito e que a partir desse encontro, possamos construir ideais que lancem o mundo na tal fraternidade que Freud aponta em seu texto "Psicologia das Massas e Análise do Ego".

"Solidão que nada..."

Olhar para o modernidade das relações em seus aspectos de progresso e em seus aspectos de resistência à mudança. Que nosso olhar não envelheça e que a psicanálise permaneça transgressora como o velho Freud sempre a sonhou. Que a solidão da qual falam muitos teóricos seja o caminho para construções afetivas mais saudáveis, um rito de passagem. Nascemos sós, e ao mesmo tempo, toda psicologia é em última instância, objetal e fala de relações de vínculos.

Por Denise Deschamps

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Queem Rania




Ontem vi um documentário na GNT sobre algumas ações de mídia da Rainha da Jordânia , Vossa Majestade Rainha Raina. Através do Youtube Vossa Majestade criou uma série de vídeos para combater o preconceito em relação ao papel da mulher em seu país e sobre o mundo árabe junto ao ocidente.

Uma ação moderna, que mostra ao ocidente uma Jordania idem, com pessoas que afinal não são lá muito diferentes de nós. Mas o que me marcou foi ver uma apresentação de alguns jovens em um centro multimídia para a rainha. Eles cantaram rap! Um rapaz e uma moça, com véu islâmico e tudo, cantando rap – que maravilha! Não que esteja fazendo apologia do rap, ou de costumes ocidentais.

O ponto aqui é como a internet e o que ela nos proporciona. Cada vez mais estamos nos globalizando, em todos os sentidos. Vou deixar de fora a globalização econômica, pois não a vejo como ponto principal do que ocorre, algo para além do dito “mercado”. Outro dia vi alguns documentários sobre Japão, e vi japoneses, de quimono, também cantando rap. É a globalização cultural que me chama atenção.

Se por um lado pões nossas diferenças de lado, aquelas que podem nos fazer guerrear e matar outros seres humanos, por outro perdemos um pouco da identidade cultural. No programa Café Filosófico de domingo a psicóloga Rosely Sayão falava algo nesse sentido – como os pais têm receio de limitar a circulação de seus filhos se adotarem uma postura cultural mais ampla sobre eles. Judeus não devem parecer tão judeus assim, árabes nem tão árabes assim, etc ...

Essa globalização cultural pode virar pasteurização se o essencial de cada cultura não for preservado, pois essa identidade cultural de valores é para onde o ser humano caminha na sua jornada. Retirar isso dele é retirar a sua possibilidade de lá na frente, logo depois dos 60, 70 anos, não ter aonde chegar. E no presente não deixar claro os limites da personalidade dos nossos jovens.

Ale

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segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Millennials




Livre associação sobre o vídeo ...
a) Creio que a juventude sempre foi o que foi, procurou o que procura – precisa fazer algo com o que recebeu - muda a forma como isso é feito, muda o jeito, mas ser jovem é ser jovem. Mas daí eu me pergunto – qual a diferença que isso faz em quem tem mais de 35 anos? Será que depois de passado essa faze a coisa toda não caminha para lugares mais comuns, e conforme vai passando a idade, os lugares vão se tornando cada vez mais comuns?
b) Creio que o meio muito mais que a mensagem anda fazendo toda a diferença. A internet causou uma modificação muito radical no mercado, não o inverso. Tanto que muitas empresas e segmentos inteiros da economia não sabem o que fazer com a internet, não entendem esse meio, muito menos o que ela causou nos hábitos de consumo.
c) Na Europa e nos EUA já ressurge uma onda neonazista/fascista forte, capitaneada por quem: velhos saudosos? Não. A juventude. Os anos 60-70 deixaram uma visão que a juventude é algo livre, libertária. Creio que essa forma de ver o jovem contrasta com a atuação da mesma juventude no nazismo, que é filho de dos anos 20. O que to tentando dizer é que não seria de se estranhar uma geração ultra-conservadora.

Às vezes também tentar reduzir a juventude a um rótulo me parece um pouco paradoxal – tentar dar um rótulo a quem faz um esforço danado para não ter nenhum.

Os saudosos do Édipo e da Castração devem, ou estar avistando o fim dos tempos, ou se entupindo de antidepressivos. Outra pergunta pertinente que surge é – quando a teoria se torna saudosista, talvez ela precise de sua própria juventude.

Ale

PS. Lembro de uma música dos anos 80 que dizia “a juventude é uma banda numa propaganda de refrigerantes” ... será que podemos dizer hoje “a juventude é um post do youtube”?

Sociedade depressiva




Paira no ar uma insustentável obrigação de sermos felizes, o tempo todo. Ela nos intoxica como um gás que faz sofrer lentamente, e tem como o corolário da falta de ar a depressão. O sentimento de depressão, tão comumente associado a uma doença, faz parte sim do repertório de emoções de todo e qualquer ser humano. O sentimento de depressão é o sentimento que temos quando alguma ilusão que acreditamos ser verdade morre.

Quando descobrimos que o mundo existia antes de nós, que não somos o centro da casa, e que aqueles que chamamos de nosso, na verdade não nos pertence, nos deprimimos.

Quando descobrimos que não somos autosuficientes, que somos seres dependentes e desamparados, que precisamos dos outros para as suprir nossas condições mais básicas, nos deprimimos.

Quando acreditamos que aquele emprego vai nos levar ao topo, que aquele vestido mais nos fazer desejáveis, que aquele carrão vai fazer que eu seja mais potente, e nada disso se concretiza, nos deprimimos.

Quando aquele casamento que acreditamos que vai nos curar dos males do mundo, que vai nos dar aquilo que nossos pais nos negaram, e nos devolver ao nirvana da simbiose, acaba, simplesmente termina, nos deprimimos.

Quando temos que escolher um amor, um rumo na vida, uma única profissão, seguir um único sonho, ter uma única esperança, acreditar em algo, nos deprimimos por não podermos ter todas as outras profissões, sentidos, sonhos, e tudo mais que precisou ser descartado. Escolher é um ato por si só, depressivo.

Quando nos descobrimos, a uma certa altura da vida, que nosso rumo talvez não esteja na rota correta, que temos que mudar o leme, levantar as velas e partir para novos mares, nos deprimimos pelo tempo perdido, tempo que não volta mais.

Quando abandonamos essas falsas promessas de felicidade, essas ilusões passageiras, adquirimos sabedoria. Não existe sábio que não tenha passado pela dor da depressão, do choro, do lamento. Quando nos tornamos sábios da vida com suas reais possibilidades, deixamos de ser deprimidos. Mas se a sociedade nos obriga a sermos felizes como uma realização instantânea e não uma aquisição emocional, só nos resta uma sociedade depressiva e seus anti-depressivos.

Por Ale Esclapes

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

O anel que tu me deste



... era vidro e se quebrou. O amor que tu me tinhas, era pouco e se acabou.” Essa é uma pequena metáfora da confusão emocional que se estabelece entre mãe e filho, e que marca essa relação pelo resto da vida, deixando marcas profundas em cada um dos pares. E tudo isso com uma pequena contribuição do pieguismo social.

Uma das maiores angústias da mulher (se não a maior) é saber se pode ou não gestar um filho. Muitas vezes todas as suas frustrações (que no ser humano não são pequenas) são direcionadas para esse evento, como se ter um filho resolvesse todas as angustias da vida. Em muitos casos também, esses indivíduos não conseguiram atingir o “status” de adulto, e não tendo podido velar e enterrar a infância com dignidade, tentam pular a fase adulta, tornando-se mãe, retornando aos dois únicos personagens da vida da infância: a mãe e o filho, numa eterna brincadeira de boneca.

Freud escreveu em “Uma introdução ao narcisismo” que amamos nossos filhos de acordo com o que gostaríamos de ser, de acordo com o que fomos, ou do que somos – em suma, amamos nossos filhos como uma extensão de nós mesmos, como um espelho que deveria refletir nossa imagem. Existe uma enorme dificuldade de vermos os filhos como seres separados, com um sentido de vida independente do nosso, com desejos que muitas vezes não levam em consideração os de seus pais. “Cria-se filhos para o mundo!” Todo mundo sabe disso, mas da boca para fora – para dentro a conversa é outra.

Esses dois quadros dão uma boa idéia de pelo menos um dos principais ingredientes do amor materno (e paterno): REDENÇÃO! (mas não o único).

O filho pelo seu lado é tratado principalmente na primeira infância como o centro da casa. Para essa criança ela não é apenas o centro da casa, mas o centro do universo (pelo menos do universo que essa criança conhece). Todas as suas necessidades são prontamente supridas por uma mãe que enxerga, entre outras coisas, a redenção dela nessa criança. É o amor incondicional materno que cria uma ilusão que um dia fomos “os mestres do universo”.

Porém tudo isso é falso e necessário, e esse par tem um encontro marcado com a verdade – que não somos o centro do universo e que nossos filhos não são nossa redenção. Quanto mais cedo isso ocorrer (e formos capazes de assimilar isso) poderemos assumir a responsabilidade por nossas vidas. Essa confusão de sentimentos é necessária, pois somente uma mãe que acredita que seu bebê é sua redenção pode lhe dar amor incondicional, acordar seis vezes por noite para dar-lhe de mamar, etc ... E sem esse amor incondicional, sem essa sensação de que um dia fomos o centro do universo, estaríamos condenados a loucura, e a sofrermos de uma eterna baixa estima.

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

To be or not to be ...



Existe um perfil na clínica contemporânea envolvendo mulheres e homens com uma posição razoável nas empresas, entre trinta e quarenta e cinco anos, e que traz um profundo sofrimento. Para falarmos sobre esse perfil precisamos entender dois conceitos muito importantes na vida de uma pessoa:

a) Existe uma parte da pessoa que simplesmente “é” – e esse “ser” é algo singular e individual, é um “ser” que nos diferencia de todos os outros seres do planeta. São nossas potencialidades, nossos dons, etc ... Esse “ser” é algo muito escondido, e muitas vezes nem nós mesmos sabemos quem “somos”.

b) Existe uma outra parte que se relaciona com outras pessoas, com a sociedade, que tem que se relacionar com o chefe, a mãe, etc... Vamos chamar essa parte de “persona”. Esse nome é utilizado há muito tempo no teatro quase como um sinônimo de personagem.

Existe um sofrimento muito comum nos dias de hoje no qual a persona torna-se maior que o “ser”. Nessa hora a pessoa não se sente “sendo” alguém, mas REPRESENTANDO alguém. Isso acaba trazendo um sofrimento muito grande, e que se manifesta na forma de um vazio existencial, de culpa, etc...

É muito comum hoje em dia a angústia trazida por pais que precisam trabalhar mais de doze horas por dia, fazer MBA, falar inglês, espanhol e mandarim (sic). A questão que esses pais trazem justamente é uma crise no “ser” pai, e não “representar” o papel de pai ou mãe. Isso porque primeiro não sobra tempo para “ser” pai, somente para, como numa peça de teatro que dura no máximo uma hora e meia, representar esse papel.

Nessa hora aparece a culpa por não “ser” pai ou mãe, ao mesmo tempo em que não se deseja abandonar a “persona” profissional. Quando esses pacientes narram o seu dia, e falam com certo orgulho que trabalham 12 horas ou mais por dia, imediatamente pergunto PARA QUE trabalhar tanto. A resposta clássica é: pela minha família ou meus filhos. A questão aqui é esses pacientes não têm tempo para ficar com suas famílias, logo volta-se a pergunta: PARA QUE trabalhar tanto mesmo?

Muitas vezes esse quadro envolve um luto que não se realiza, algo que ali esta mas que não permite que o “ser” possa se manifestar em toda a sua potencialidade: a “persona”. A pessoa sufoca o “ser” e muitas vezes cria cicatrizes profundas em pessoas que amam por não conseguirem abandonar uma “persona” profissional, que quando se olha bem de perto, não tem nada a ver com a família ou filhos, mas sim com sonhos, desejos, ambições, que advém disfarçados na “persona” de pai ou mãe.

Para que você trabalha mesmo?

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

O brincar e a realidade


As origens do brincar estão na necessidade do ser humano trabalhar seus conflitos, especialmente com seus pais. Conforme vai tomando consciência de seus pais (um bebe não tem a menor noção que possui uma mãe separada dele) surgem sentimentos como medo da dependência de um outro ser (um filho depende de seus pais e isso não é um sentimento que o ser humano goste muito), ódio quando os pais não fazem o que a criança deseja, não ser o centro do universo, etc ...

A brincadeira é nesse sentido um instrumento terapêutico para a criança, permitindo que ela elabore seus conflitos. Criança que não brinca não tem essa oportunidade de se preparar para a vida, e pode ir para a idade adulta despreparada. Aquele que não resolveu conflitos básicos na brincadeira tende a resolve-los na idade adulta. Mas uma coisa é brincar no playground, outra é brincar (elaborar seus conflitos) no trabalho ou no casamento.

A qualidade da brincadeira nesse sentido é muito importante. Brincadeiras que estimulem o sentido, permitam a fantasia e possibilitem interação social com outras crianças são essenciais para o bom desenvolvimento do sujeito. Crianças que passam o dia trancadas em casa ou em apartamentos, com televisão (que em si não permite qualquer interação da criança) e vídeo games (geralmente em quantidade de horas desmesurado), ou mesmo brincando com babás (e não com outra criança) não têm um meio ambiente propício para a brincadeira sadia (essa que elabora os conflitos internos).

Outro ponto importante é que brincar não tem nada a ver com orçamento familiar. Uma criança é capaz de brincar com paus e pedras. Uma vassoura pode virar um cavalo, o arranhador do gato pode virar um castelo. A brincadeira serve justamente para isso – estimular a criatividade e a imaginação. Uma criança que diz somente poder brincar se tiver o brinquedo X, Y ou Z está nos dizendo que somente será feliz se tiver o carro X, a casa Y e o emprego Z. Em outras palavras tende a ser tornar um adulto com pouca criatividade, imaginação, e jogo de cintura – infeliz!

Vale lembrar que o brinquedo em si não tem nada a ver com o amor dos pais. O tamanho da bicicleta não reflete o tamanho do amor dos pais pelo filho. Amor não se mede por coisas materiais. Não adianta querer suprir a ausência com brinquedos caros – amor acima de tudo é presença. Substituir amor por brinquedo ensina a criança que nossas carências emocionais podem ser supridas por uma boa sessão de compras no shopping.

Finalmente quem não brinca leva a vida muito a sério. O adulto não deve perder a sua capacidade de reinventar o cotidiano como uma criança cria uma brincadeira nova a cada dia. Reinventar um trabalho novo com os mesmos instrumentos ou um casamento novo a cada ano com o mesmo parceiro esta diretamente ligada a nossa capacidade criativa. Só não vale o adulto confundir brincadeira com leviandade.

por Ale Esclapes

Tempos esquizofrênicos

"Maioria não casaria com gordo, diz estudo
Pesquisa do Hospital do Coração mostra que homens da classe A são os que mais rejeitam união com obesa

Na avaliação de 81% dos entrevistados, o excesso de peso também interfere no sucesso profissional"

Essa foi a matéria de capa do caderno cotidiano da Folha de São Paulo. Somos preconceituosos com os obesos. Fiquei meio perdido com isso. Explico – vamos supor que refizéssemos a matéria: maioria não casaria com quem tem câncer terminal. Será que pareceria estranho? Ou ainda: maioria não casaria com quem tem doença degenerativa, soaria tão estranho assim? O que é mesmo preconceito na MÍDIA?

Antes de continuar, fiz uma pesquisa sobre esse assunto no próprio jornal – existem cerca de 20 reportagens que classificam a obesidade como doença – alguns como doença grave; isso só nos últimos 30 dias.

Daí eu fico me perguntando qual é a mensagem e tento resumi-la mais ou menos desse jeito –“Não seja obeso, que isso é uma doença. Ah, você já é obeso? Seu IMC é maior que 21? tststststs Caso grave! Tudo bem, mas você acha o maior tesão um gordinho, certo? Não!? Seu preconceituoso!”

Ah, mas você pode estar pensando – o problema não é o obeso, mas a obesidade. Sei ... é a mesma lógica da igreja para certos assuntos. O problema é o pecado, não o pecador. O problema é que quem vai arder no fogo do inferno é o pecador e não o pecado.

Tempos esquizofrênicos.

Ale

PS. Isso para nem dizer que querem normatizar por quem a gente deve sentir ou não tesão.
PS2. Esse post não é sobre preconceito, mas sobre meios de comunicação e poder.

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terça-feira, 2 de novembro de 2010

Inveja e gratidão


Inveja é um sentimento que nos impede de ter acesso às coisas boas da vida. Ela é prima do orgulho. Juntos nos isolam das pessoas queridas, nos jogando em uma solidão muitas vezes insuportável. O invejoso não consegue reconhecer as coisas boas que outra pessoa pode dar, e muitas vezes responde com agressividade e destruição com aqueles que podem ajudá-lo, ou possuem algo que lhes dá admiração. No fundo da inveja existe uma profunda baixa estima, encouraçada por um orgulho que visa a fornecer uma ilusão de onipotência. Essas pessoas se consideram as melhores, o que fazem geralmente é espetacular, e acreditam que tudo o que tocam viram ouro. São pessoas normalmente classificadas como orgulhosas, arrogantes, onipotentes, e ... solitárias.

Inveja é diferente de cobiça. Na inveja, por exemplo, deseja-se aquilo que o outro tem e que eu admiro, mas de uma maneira muito particular: se eu tenho uma roseira bonita, o invejoso deseja a MINHA roseira, ou deseja que a roseira MORRA, para ninguém tê-la. Aquele que cobiça, deseja ter UMA roseira, mas não a minha. De uma forma geral: o invejoso deseja aquilo que eu tenho de bom, ou destruir o que eu tenho de bom. Aquele que cobiça deseja algo igual ao que possuo, mas não exatamente o que possuo.

A gratidão, ao contrário da inveja, é um sentimento que permite que se tenha acesso às coisas boas do outro. Aquele que é grato reconhece no outro algo que falta em si, e nem por isso tem uma baixa estima. Muito pelo contrário. Feliz aquele que sabe suas faltas e sabe buscar isso no outro, mas não de uma forma destrutiva, mas como resultado das trocas normais de um relacionamento.

Quando nos relacionamos em sociedade, no trabalho, num namoro ou casamento buscamos que os outros nos complemente em nossas faltas básicas. Podemos nesse sentido entregar para o outro o fruto de nossos dons que podem cobrir a falta do outro, e o outro, da mesma forma conosco, tornando a vida mais feliz. Um exemplo simples seria um casal em que um é desorganizado e decidido, e o outro, organizado e indeciso. Juntando tudo, temos um bom casal, desde que haja respeito mutuo em relação às diferenças. Nesse caso pode aparecer a gratidão.

O invejoso não consegue isso, pois no caso do casal acima, não poderia haver troca. Caso o desorganizado seja o invejoso, esse procurará usufruir da organização do outro sem nada entregar em troca. E em uma ocasião muito comum, ele procurará exigir mais do que o outro pode dar. A partir daí ele pode anular tudo o que o outro tem de bom. Essas relações desagregam.

O mundo é um farto banquete a nossa disposição. Quando não conseguimos usufruir dessas coisas boas, a inveja muitas vezes é a vilã dessa situação.